
O ócio aprisionara-me na impertinente rotina, conseguia enxergar o óbvio, nada mais.
Um dia, ao andar pelas calçadas imundas da cidade, tropeço, caem meus óculos. Em minhas mãos pálidas lentes quebradas. Mais um pensamento de fracasso. Uma breve passagem ao oculista "Quero reparar minhas lentes, por favor." Acendo um cigarro, este tem gosto amargo. "Ora, não prefere lentes novas, senhorita? Estas estão velhas e sujas, já passaram por muitos reparos, talvez não seja possível repará-las totalmente para um bom uso. Aconselho novas lentes, sem desgaste!" libero a fumaça aprisionada em meus pulmões "Certo, volto amanhã".
Passei o dia a divagar, de bar em bar, em meio a quinta xícara de café já frio, percebo olhares, "Garçom, mais um café", "Tens bonitos olhos, senhorita. Seu café..." Ah, como senti falta deles, deles... Minhas lentes escuras...
Logo de manhã vou a loja buscar meus companheiros de vivência. "Aqui está senhorita". Novos, realmente novos, tudo ao meu redor esta renovado, está mais claro. Percebo objetos, situações, intuições de uma forma diferente agora. Meu quarto não é escuro. Não é frio. Embaraço-me com o novo cotidiano. Tenho a mesma armação de óculos, o mesmo metal duro flexionado sobre minha pele, tenho a mesma luz, solar, acima de minha cabeça, mas as lentes, estas são diferentes, trouxeram mudanças íntimas.
Percebi que, ao final, não podemos trocar nossos olhos, nossa armação, entretanto, é necessário mudar o foco, reajustar a incidência, trocar lentes, para mudar o ângulo, o ponto de vista.
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